quarta-feira, 1 de junho de 2011

Vida Coletiva


Quarta-feira, 22:30h, adentro meu velho e bom coletivo, procuro pela minha cadeira, a única projetada para indivíduos acima de 1,79cm, aquela, egoísta, primeira do lado esquerdo: ocupada. Sento ao lado de uma moça que dorme sofregamente encostada na janela, tento deitar a cabeça na ponta da cadeira, meus joelhos pressionam a cadeira á frente e nada desta me dar licença, simplesmente não caibo e meu fêmur não está nem ai para isso, coloco as pernas para o lado, no corredor do ônibus, fones nos ouvidos e agora, sim, cabeça duramente encostada, satisfação plena que só usuário contínuo, daqueles literalmente de carteirinha na mão, sabe do que se trata.

Após parar em apenas dois míseros pontos, o tapete metálico do corredor já estava empanturrado de indivíduos cansados, com suas rotamente idealistas fardas de trabalho, as quais, indiretamente, nos dá ideias dos contornos das suas vidas. Três mulheres estacionam do meu lado, ajeito a postura, ofereço meu colo a suas bolsas e estas por lá bem que gostaram de ficar sem qualquer queixa- para alegria das donas. Continuo com os fones nos ouvidos, tenho dois, dois ouvidos e dois fones na bolsa... algo está errado, mas depois reflito sobre isso. Observo a moça que dorme, canto baixinho a música que me cantam aos ouvidos e então observo que as três até inda agora desconhecidas estavam entre concordar de cabeças e frases atropeladas, compartilhando um daqueles momentos “não te conheço, mas entendo e já passei por isso”. Continuo com os fones nos ouvidos observando a mímica de suas bocas, paro a música, tiro os fones, subo no trem andando “Eu estava trabalhando, sou caixa de supermercado, estava terminando um atendimento e depois seria a vez de um rapaz, dai, chegou uma moça grávida e me perguntou onde era o caixa preferencial e eu lhe expliquei que este não existia e que se ela aguardasse um momento, eu a atenderia, daí, a passei na frente dos demais, então, o rapaz começou a berrar e disse dentre outras coisas “ Vá pra puta que pariu nesse caralho, sua rapariga!” imediatamente respondi, “Não vou pra puta que pariu porque não sou sua irmã, posso trabalhar nesse caralho, mas não me pagam para levar grito: SE FODA!”. Ponho novamente o fone nos ouvidos depois de descobrir que o gerente foi chamado e a moça em questão foi defendida por todos- inclusive pela gestante causadora do caos. Volto a cantarolar, abstraida em ideias sacudintes ritmadas pelo molejar do caminho, nova festa de gestos ao meu lado, nova festa de cabeças concordantes...dessa vez não tirei os fones do ouvido, apenas desligava o rádio periodicamente, em sintonia com o calor das mímicas, de primeira ouvi da senhorinha baixa e mais velha do trio “Chequei lá no Hospital, não tinha pediatra, levei o menino com febre de ônibus após ter indo em mais dois hospitais e me vem com essa história de virose depois de quase cinco horas esperando!”. Ligo o rádio com cara de quem nada sabe dessas coisas. Novas mímicas. Desligo. Moça do caixa do supermercado “Esses médicos não sabem de nada não, pra eles tudo é virose!” . Ligo o rádio. Mais mímicas cutucam a visão periférica, era a terceira do tal trio com blusa de onça, seios fartos, um belo decote a mostrá-los e sobrancelhas finíssimas quem agora enveredava o assunto realmente “coletivo” . Dessa vez não apenas desligo, mas, tiro os fones, fito a mulher que falava “Da última vez que isso me aconteceu, ninguém sabia o que meu filho tinha e o menino só piorando, me vieram com essa história de virose. Dei um espetáculo no meio do hospital, dipirona eu tenho em casa! Assinei um papel lá e levei ele pra casa: com filho não se mexe! “. Diante disso, apenas segui o exemplo das colegas de viagem e concordei com o pender ritmado e positivo de cabeça de quem nada sabe dessas coisa...

Sarnentamente pus meu rabinho entre as pernas (leia-se: fones nos ouvidos) e, voluntariamente desprovida de visão periférica, fui até o fim da viagem... observando a moça que ressonava sofregamente encostada na janela, cantando baixinho o que me cantavam aos ouvidos, envolvida em abstrações dessa vida coletiva.

Por,

Hilda de Queiroz

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