terça-feira, 13 de julho de 2010

Toque( TOC)...


Três horas da manhã. Três da manhã e nada de dormir. Meu Deus. Mas como vou dormir após um dia como este. Que dia!
Vou ligar para Flávia, ela sempre me entende.
Bem na parte em que o rapaz do metrô lhe oferecia um sorriso de segundas intenções e ela se percebeu orando para que ele não notasse seu entusiasmo, ela escuta ao longe um barulho, deu de volta um sorriso na medida certa... E, de repente, como se homem-aranha a tivesse agarrado de costas pela cintura, se viu, em milésimos de segundo, sendo sugada de tudo aquilo e dando um pulo em sua confortável cama de lençóis verdes. Poxa, ele não pediu meu telefone... mas quem estará me ligando a esta hora e observa com preguiça e ainda coçando os olhos o relógio de cabeceira que marcava pontualmente que aquilo não eram horas para se ligar para ninguém. Flávia olhou para ele com carinho e agradeceu a compreensão. Chão frio. Sapateia em busca das pantufas... Em vão. Ainda berrando, o telefone tal qual criança, não cansava de afirmar sua existência e necessidade. Meio cambaleando, adequando a visão a claridade repentina, senta no braço do sofá e atende:
- Alô, Flá... Sou eu amiga. Sei que é tarde, mas eu tive um dia terrível, terrível!
- Olá Celina, o que foi dessa vez?
- O que foi dessa vez... Essa é boa! O que é sempre... Sabe a lei de Marphy. Eu sou a personificação dela. Acordei e o Alê tomou banho e molhou a privada. Poxa, eu estava toda quentinha e sento no assento... Na hora até arregalei os olhos, tem noção?Musculação para os glúteos ás 6h da manhã, é dose. E isso não é nada! O papel tinha acabado e tive que abrir outro rolo e você sabe como eu me irrito em ser a primeira usuária do rolo de papel. Eles não colaboram! Não tem unha certa que faça ele desenrolar, impaciente arranquei quase uma resma para desenrolá-lo. Daí fui tomar café e ao me levantar para pegar um guardanapo, o Alê comeu o último pedaço de misto quente do meu prato e bebeu meu último gole de café.O último, dos dois, você sabe, todo o sabor está concentrado na última mordida e no último gole. Isso não se faz nem com um inimigo, nem com um inimigo. Fui trabalhar e pelo menos isso foi igual a todos os dias, mas ao voltar para casa em pé no ônibus, aquele aperto, e um pessoa ao meu lado roçava, é essa a palavra tenebrosa, roçava o braço no meu, não de um forma de assédio, não, nada disso, mas sabe aquela encostadinha de leve em sintonia com o movimento do ônibus e tem horas que são só os pêlos de ambos braços que se encontram, nessas horas, juro que até minha hipófise se arrepiou de agonia. E você tem noção de quanto tempo tive que respirar fundo e passar por essa aflição... Ao descer do ônibus, um rapaz estava vendendo jujubas e finalmente senti alegria... Nem precisa dizer que tenho que parar de comer porcarias e levantar bandeiras pelas cenouras e alfaces, não adianta amiga, sou maníaca por doces e jujubas nem se fala. Mas, ao abri o pacote, constatei indignada que não havia uma, sequer uma, de morango ou de uva! Apenas abacaxi e limão... Agora me diga se não tenho razão: se não sou a encarnação da lei de Marphy.
Flávia escutou apática e com toda atenção que podia as informações que desesperadamente sua amiga jorrava. Lhe deu alguns conselhos de livros de alto ajuda com tom de propriedade no assunto. Mandou Celina respirar fundo três vezes e prometer que ao desligar o telefone iria colocar suas meias de bolas coloridas (aquelas que ela acreditava chamar bons sonhos), colocar a caneca com água na cabeceira da cama (já que Celina tinha plena certeza que acordaria com sede de madrugada e teria que levantar, pior, criar coragem de levantar, caminhar, encher o copo com água e, só depois de tudo isso, cambalear de volta para cama. A certeza da seqüência dos fatos a deixa tão ansiosa que ela tinha insônia quando já estava entrelaçada por seu edredom e não tinha posto a bendita caneca ao lado da cama). Após cantar toda essa mantra, já que os ataques de Celina não era, infelizmente, acontecimento raro, Flávia pôs o telefone no gancho e, entre as trombicadas de volta a cama, pensava se o rapaz de sorriso fácil ainda estaria no metrô.

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